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Indícios de marcas de propriedade bibliográficas: marcas de autor

Por Márcia Della Flora Cortes*


O livro, enquanto um mediador entre o autor e o público, possui em sua apresentação gráfica diversas características que são capazes de constituir uma mensagem à parte, em relação ao texto, para o leitor. Na verdade, apesar de estarem nas “franjas” do livro, e ser independente da parte textual da obra, a marca de autor, por exemplo, pode atuar como um elemento envolvente e curioso que simplesmente facilitará a identificação da(s) obra(s) desse autor pelo leitor, que reconhecerá a imagem ali impressa.

Diversos livros contêm impressos, entre os elementos pré-textuais ou pós-textuais, aquilo que se pode considerar uma marca de autoria. A referida marca aparece em diferentes lugares do livro, início ou fim, e tem em comum o fato de conter o nome do autor da obra, uma ilustração, uma palavra que denomina posse, como ex libris e, por vezes, uma divisa. No entanto, se o livro traz impresso uma marca que embora inclua o termo “ex libris” e o nome de um sujeito, como poderia ser considerada uma marca de quem vir a ser o proprietário da obra se ela já foi produzida com tal identificação? É uma marca intrínseca a fabricação do livro e, portanto, sai da impressora com a mesma. O termo “ex libris”, nesse caso, reporta aos livros do autor e não do proprietário que o adquire.

Stelling (2022) elucida que:


marca de autor é um design gráfico usado para indicar, no livro impresso, a relação de autoria entre o escritor e sua obra literária. Geralmente, a marca de autor é a reprodução do design gráfico do ex-líbris pessoal do autor. Poderíamos considerar a marca de autor como sendo um uso redundante do design gráfico do ex-líbris do escritor, pois a folha de rosto já vincula o autor ao exemplar de sua obra literária.


Corroborando com o conceito desse autor, a representação do ex-líbris de quem escreveu a obra contribui para que o leitor possa reconhecer o escritor associando-o ao seu livro.

Cabe aqui fazer uma breve diferenciação, entre períodos diferentes na história do livro. Existe a possibilidade de que o proprietário tenha comprado as folhas soltas e assim, tenha posto sua marca de propriedade bibliográfica, como um brasão de armas na encadernação ou então em alguma outra parte da obra. Isso ocorreu, por exemplo, na Idade Média, quando os livros eram mercadorias caras e segundo Febvre e Martin (1992, p. 166) eram encadernados à medida que eram vendidos:


Os inventários dos acervos dos livreiros nos mostram que estes somente possuem um número muito pequeno de exemplares encadernados de um mesmo livro [...] E pode-se supor que, bem frequentemente, o comprador preferia adquirir uma obra em folhas para poder mandar encaderná-la a seu gosto.


Com isso, quando comprados os cadernos, o proprietário, de acordo com suas condições financeiras e seu gosto decidia se encadernaria e em decorrência poderia adicionar uma folha com seu ex-líbris ou até mesmo gravar na capa sua marca, como um super-libros. Apesar de ocorrer, essa possibilidade de comprar cadernos e depois encadernar em obras do século XX era bem menos frequente, visto que a imprensa já estava bastante consolidada e o mercado livreiro produzia obras que possuíam a estrutura completa. Isso significa que os autores, com a intenção de mostrar a sua marca de propriedade pessoal utilizada em seu acervo ou com a pretensão de personalizar um signo que o identificasse, colocavam no livro impresso uma imagem de seu ex-líbris. Machado (2014, p. 42) explica que se tornou moda entre autores e editores do final do século XIX e inicio do XX estampar marcas nas publicações, bem como exibir “em suas obras a reprodução tipográfica de seus ex-líbris”.

Logo, os livros eram vendidos com a reprodução do design gráfico das referidas marcas que eram utilizadas como ex-líbris pelos autores, na condição de proprietários, em seus acervos pessoais, mas jamais teriam a mesma função nos acervos dos compradores do livro, visto que se tornam um indício do autor e, portanto, marcas de autor como explicado por Stelling (2022). Nota-se, quando um autor insere a sua marca de propriedade bibliográfica em uma publicação, há uma adulteração de seu significado original visto que tal identifica seu acervo pessoal e não as obras que um dia estarão em posse de outras pessoas. A motivação para tal ato poderia ser divulgar entre qualquer pessoa que detém a propriedade do livro, uma característica que simboliza o autor e mostre o cuidado pessoal para com a sua coleção.

Cita-se, como exemplo, a marca que indica a autoria de Manuel do Nascimento Vargas Netto (1903-1977), conforme figura 1. Ela está presente na obra “Gado chucro”, publicado pela Livraria do Globo no ano de 1929. Segundo Arendt (2009), o autor natural de São Borja, foi um advogado, jornalista, juiz, poeta e escritor regionalista no Rio Grande do Sul que abordou as tradições e valores culturais de seu estado.


Figura 1 – Marca de autor de Vargas Netto

Fonte: Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense

Fotografia: Autora (2019)


Na mesma obra um poema parece esclarecer a imagem que traz uma cuia de chimarrão em forma de coração sendo alcançada de um peão para uma prenda remetendo ao espaço cultural da campanha gaúcha.


Chimarrão!

Desculpa boa pra eu apertar os dedos da chinoca,

quando, horas a fio,

ela me alcança esse amargo, que é tão doce!...

Companheiro do rancho e do crioulo,

esquecimento e prazer!

Vício que é remédio do campeiro...

amargo que derrete as amarguras...

meu amigo também!...


A frase “amargo que derrete as amarguras...” está presente na divisa da imagem e, portanto, traz esse universo simbólico pregado pelo autor e pelo qual supõe-se que deseja ser lembrado.

Outro exemplo, é a marca que indica autoria de Adolfo Montiel Ballesteros (1880-1971), conforme figura 2. Ela está presente na obra “Cuentos uruguayos”, publicada no ano de 1920. Além desse indício, a obra apresenta uma dedicatória manuscrita, na folha de rosto, destinada a Salis Goulart. Segundo Sanmartín (2018), Ballesteros atuou em várias áreas, entre elas: dramaturgia, politica, diplomacia, poesia e era um ilustre escritor. Ainda, o autor diz que destacou-se na novela, conto, poesia e sua obra foi influenciada pelo modernismo.


Figura 2 – Marca de autor de Montiel Ballesteros

Fonte: Acervo da Bibliotheca Pública Pelotense

Fotografia: Autora (2019)


Entre as marcas encontradas no Centro de Documentação e Obras Valiosas (CDOV) da Biblioteca Pública Pelotense, algumas enquadram-se nessa categoria, marcas de autor. A confirmação de que as referidas marcas de autor são, de fato, utilizadas como ex-líbris pelos escritores, apesar de algumas constarem em obras de referência brasileiras, somente será possível consultando o acervo pessoal dos mesmos na condição de proprietários, sejam autores pessoais ou coletivos. A literatura nacional ainda está em construção e observa-se que existem lacunas a serem preenchidas que somente serão sanadas consultando-se as fontes originais.



Referências


ARENDT, J. C. “Na coxilha cheirosa do teu seio”: imaginário e paisagem na poesia de Vargas Neto. Revista Diadorim, v. 5, n. 1, p. 57- 72, 2009. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/diadorim/article/view/7940 Acesso em: 15 jul. 2020.


FEBVRE, L.; MARTIN, H. J. O aparecimento do livro. São Paulo: Unesp, 1992.


MACHADO, U. Sua excelência, o ex-líbris. In: Silva, A. da C.; MACIEL, A. (org.). Livro dos ex-líbris. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2014. p. 9 - 73.


SANMARTÍM. J. F. Adolfo Montiel Ballesteros (1888 – 1971). Centro de estudios filosóficos, políticos y sociales Vicente Lombardo Toledano. Disponível em: https://www.centrolombardo.edu.mx/adolfo-montiel-ballesteros-1888-1971/. Acesso em: dez. 2019.


STELLING, L. F. Conceito de marca de autor. Comunicação pessoal. Destinatário: Márcia Cortes. [S. l.], 2 abr. 2022. 1 mensagem eletrônica.



*Márcia Della Flora Cortes - Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Rio Grande, Mestre em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria, Doutoranda em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas; RS.



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